não porque somos estrelas, mas

                                                        


Do mito veio a filosofia. Da filosofia veio a ciência. A ciência nunca matou a filosofia, que nunca matou o mito. A ligação entre os três é percebida facilmente quando pensamos na origem do universo. O mito sempre quis saber, e criou suas próprias respostas em histórias. A filosofia quis saber, e respondeu com a lógica. A ciência veio com teorias, teses, métodos, fórmulas e leis. Talvez a ciência nunca tivesse descoberto o Big Bang se os filósofos não batessem tanta cabeça nessa questão. Talvez os filósofos não pensassem nos elementos que explicam todas as coisas se não existissem tantos mitos sobre a origem do universo. É possível que mito, filosofia e ciência sejam etapas de um mesmo fluxo de pensamento. Cada um, à sua maneira, sabe responder às mesmas perguntas. Quando a ciência desmente a filosofia, a pergunta muda; porque a pergunta muda, podemos continuar buscando e desvendando mitos e mistérios. 

Hoje eu li do Hawking o ciclo de vida de uma estrela.

Uma estrela nasce quando uma grande quantidade de gás (normalmente hidrogênio) começa a colapsar devido a força gravitacional. Enquanto se contraem, os átomos colidem entre si em velocidade crescente, com isso, o gás é aquecido. A partir de certa temperatura, ao invés de continuarem se colidindo, os átomos se amalgamam - o hidrogênio vira hélio. Dessa reação sai uma explosão: é a luz que faz a estrela brilhar. O calor também aumenta a pressão do gás, e ele entra em equilíbrio até parar de se contrair, numa estabilidade que pode durar muito tempo. Eventualmente, o hidrogênio (seu combustível) acaba. Eventualmente se desequilibra. O equilíbrio é como uma bexiga: o ar tende a se expandir, a borracha evita a expansão com uma força contrária. Depois de algum tempo em equilíbrio, murcha. Quanto mais compacta uma estrela, mais calor ela precisa pra se manter e mais rápido consome todo seu combustível. E isso quer dizer que “quanto maior a quantidade de combustível que dá origem à estrela, tanto mais rapidamente será consumida.” Sem combustível a estrela resfria e se contrai. Hawking não disse de quando são esses dados, mas em 1920 (só um século atrás) ainda estavam debatendo sobre a vida após a morte de uma estrela. Não avancei muitas páginas depois disso, mas pelo spoiler que tenho, elas podem se tornar anãs brancas ou buracos negros ao depender das suas massas. E a gente só sabe que buracos negros existem, porque alguém descobriu que a luz inacreditavelmente é uma partícula, isso depois que toda a comunidade científica física já havia acordado que a luz era onda. Acontece que ela é os dois.

Pra ser sincera, acho incrível ler, mas não sei como os físicos usam essas informações. Não sei a quais perguntas elas respondem, mas não duvido que ainda sejam apenas desenvolvimentos pra uma resposta mais completa sobre a origem do universo. Ou sobre o funcionamento do universo, tudo é sobre isso no fim das contas. Tudo é sobre desvendar mitos, querer desmentir ditos populares. Curandeiros e benzedeiros encaram sintomas, descobrem doenças e encontram suas curas baseados em observações que consideramos misticismos. Depois vem a ciência que renomeia, re-explica, e rouba uma informação há muito tempo já compartilhada - dessa vez com fórmulas, leis, números e probabilidades comprovadamente altas de sucesso. 

Quando Hawking disse que quanto mais combustível na origem, mais próximo é o fim, foi como se ele me explicasse pra mim mesma. Só que especialmente pra minha versão do passado. A Rafa do Amor em Não Amar. Depois de ler isso eu tenho certeza que a minha recusa ao amor romântico era muito relacionada à intensidade do começo, ao acúmulo de energia. É como saber logo no início que o fim está próximo. Não que eu seja uma estrela, mas também, quem garante que não? A ciência vive em urgência medicinal e o mundo em urgências políticas. Não existe dinheiro suficiente para podermos responder cientificamente por que sentimos o que sentimos. Por que temos a necessidade de saber a origem do mundo, ou como funciona o universo? É algo que, por enquanto, a gente só aceita, com toda a sua aura mística, espiritual ou seja lá como for. Estudos que relacionam emoções a hormônios talvez sejam um começo, mas ainda não são tão bem aceitos na comunidade científica, muito menos desenvolvidos o suficiente para explicarem como funciona o mundo em nós, enquanto seres humanos. 

 A forma como lidamos com nossos sentimentos me parece muito similar ao que deve ter sido o primeiro contato do homem com o fogo, causando  muito mais destruição do que benção nas mãos de quem não sabe manipular. O fogo até parece ser, mas não é caos. Da mesma forma que não somos caos, só parecemos ser assim, porque a ciência ainda não teve tempo de nos explicar. Enquanto isso, vamos vivendo nos mitos que criamos para explicar por que sentimos o que sentimos, no momento em que sentimos, por que nos conectamos com algumas pessoas, por que amamos. Se um dia a ciência decidir nos explicar, tenho certeza que vai desmentir tudo que o ego alimenta: a gente pode até ser especial e único, mas com certeza não conseguimos ser nada que fuja das leis do universo. E da mesma forma que a medicina dá ainda mais graça aos curandeiros quando comprova em números verdades que sempre existiram como poesias, um dia o amor em não amar (não o blog perdido nas mazelas do tempo e do emaranhado da internet, mas o sentimento de amor pelo não amar, do qual tento fugir há anos e, às vezes, de surpresa ele volta pra me abraçar) poderá finalmente ser reconhecido pela sua devida importância, significado e sentido. Tenho pensado que meu não amar é inseparável do amor, da mesma forma que o ar de uma bexiga tenta romper a barreira de borracha, que insiste em resistir à pressão; um sentimento vem com um contra sentimento, cada emoção sempre carrega sua contra emoção A gente mantém um equilíbrio até se esvair. Stanislavski explora isso a fundo em estudos de teatro e atuação. Já que pra atuar é necessário criar novos seres a partir do nada, talvez os atores estejam mais próximos da ciência dos nossos sentimentos do que pode parecer. Não acredito que seja coincidência o método de Stanislavski ser tão parecido com o ciclo de vida de uma estrela. 

Não porque somos estrelas, mas porque obedecemos à física - exatamente como elas. 

Não porque somos luz, mas talvez a gente se comporte de formas que podem parecer contraditórias. 

Mas não é contraditório se a contradição é o padrão. 


 

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